Lesões Musculares: da avaliação ao tratamento Lesões musculares costumam ser uma das principais causas de incapacidade decorrente da prática de atividade física, seja …
Lesões musculares costumam ser uma das principais causas de incapacidade decorrente da prática de atividade física, seja para atletas de alto rendimento ou atletas amadores. Mesmo sendo um termo amplo, que pode compreender uma dor muscular de início tardio até uma avulsão músculo-tendínea, abordaremos aqui desde a avaliação, passando pelo tratamento até o retorno às atividades e/ou esporte.
Por: Bruno Grüninger
Estima-se que até 50% das lesões sofridas pelos atletas envolvam tecido moles. A incidência exata pode variar ainda mais de acordo com a modalidade escolhida. No levantamento de peso, por exemplo, estima-se que 60% das lesões da modalidade são musculares, acometendo principalmente os membros superiores. Já no atletismo, 30% das lesões acometem músculos dos membros inferiores (Edouard, Branco e Alonso, 2016).
No futebol, em um estudo retrospectivo que levantou dados de 3 temporadas do campeonato brasileiro (2016, 2017 e 2018), foram notificadas 577 lesões musculares, representando 35% de todas as lesões e com o tempo médio de afastamento de 16 dias.
Além de sua alta taxa de incidência, um outro problema que costumamos enfrentar são as altas taxas de reincidência, que é considerado quando a mesma lesão acontece em um período de até 12 meses pós a alta do paciente. Além de ser sempre desafiador, essas reincidências geram ainda mais ansiedade tanto para o paciente quanto para o Fisioterapeuta, fatores que podem atrapalhar o nosso dia-a-dia.
Pensando um pouco mais além, a parte financeira também pode ser impactada de acordo como contexto que estamos inseridos, seja para o paciente, para o atleta profissional ou para o clube. Um levantamento feito na “Premier League”, o campeonato de futebol inglês, apurou que as lesões custam para os clubes ingleses, em média, 45 milhões de libras por temporada, algo em torno de 280 milhões de reais (na cotação atual, jun/2022), seja pela perda de interesse do público, pela perda esportiva do próprio clube, pelos gastos com o atleta afastado. Para o paciente, o impacto também pode ser sentido com a utilização de exames de imagens ou dias afastados do trabalho, por exemplo.
Além desses números impressionantes, pesa para a Fisioterapia a importância que o tratamento conservador pode ter nesses casos. Só que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”: o tratamento conservador, quando falha, pode trazer duras consequências funcionais.
Por fim, a complexidade do manejo de lesões musculares é algo notável. Embora o diagnóstico seja basicamente clínico, nota-se uma evolução no processo de avaliação por imagens, o que pode ajudar a vida de quem está no dia-a-dia do consultório. Somado a isso, diferentes modalidades de tratamento são propostas e, por mais que sejam, atualmente, controversas, ainda são utilizadas. Perguntas como: “Quando iniciar exercícios? Quais exercícios são os melhores? Como planejar o tratamento? Quais são os critérios de retorno ao esporte que posso usar?” São várias perguntas que ainda precisamos de melhores e mais completas respostas. E usar o apoio da ciência, nesses casos, também é difícil por há uma notável escassez de boas pesquisas clínicas nessa temática.
Nossa ideia com esse guia é abordar os principais aspectos de uma lesão muscular, suas características principais, aspectos do tratamento Fisioterapêutico, critérios de alta e estratégias de prevenção.
Tradicionalmente, as lesões musculares costumam ser categorizadas em: dor muscular de inicio tardio, estiramentos e contusões. Atualmente, há uma linha de pensamento que classifica as lesões como lesões funcionais ou lesões estruturais, sendo que as lesões funcionais representam casos de dor por esforço, fadiga muscular ou causas neurogênicas como cãibras. Por outro lado, as lesões estruturais são as que apresentam alteração macroscópica dos músculos, normalmente visível por exames de imagens, que demonstram rompimento de fibras. (Ver item: Classificação das lesões musculares).
Normalmente as lesões funcionais estão relacionadas às queixas musculares, mas que nem sempre impedem a pessoa de realizar a suas atividades, sejam elas laborais ou esportivas, diferente das lesões estruturais que costuma vir acompanhada de incapacidade. No entanto, essas nomenclaturas divergem de um lugar para outro e dificultam a procura por melhores ferramentas de tratamento.
Em um contexto de esporte, a incidência de lesões musculares costumam ser 6x maiores em jogos quando comparadas à treinos e em torno de 90% das lesões afetam os membros inferiores. A imagem abaixo representa a porcentagem de lesões por área do corpo, levando em conta jogadores de futebol da elite do futebol Europeu.
Figura 1. Principais músculos lesionados nos MMII. Fonte: Autor
Isso significa que, em um clube de futebol com 25 jogadores por exemplo, podemos esperar 15 afastamentos por lesão musculares (EKSTRAND; HÄGGLUND; WALDÉN, 2011; MUELLER et al., 2013).
Além disso, parece haver uma relação importante do surgimento da lesão muscular com a idade, ou seja, quanto mais avançada a idade, parece haver uma incidência maior das lesões musculares.
Como se não bastasse, estudos apontam ainda que, em média, 18% das lesões musculares costumam ser recidivas, o que aumenta em torno de 30% o tempo de retorno dos atletas.
Em relação aos isquiotibiais, a lesão que mais costuma afetar atletas, 83% acometiam o bíceps femoral, 12% afeta o semimembranoso e 5% o semitendinoso.
Com o objetivo de simplificar nosso entendimento ao olhar para o músculo de uma forma mais microscópica, podemos dividir o musculo esquelético em dois compostos: miofibras e tecido conectivo. A fixação de cada miofibra nos tendões podem sofrer cargas que chegam ao 1000 kg, já que em sua composição há específicas moléculas de proteína que tem o objetivo de fazer a integração entre miofilamentos contrateis e a matriz extra-celular. Um outro componente relevante nesse “caldo” que está se formando são as células-satélites, que ao sinal de lesão, começam a se diferenciar para formação de uma nova miofibra.
Para pensar nas lesões musculares, devemos relembrar aspectos básicos de anatomia, já que músculos biarticulares costumam ser os mais acometidos. Isso pode ser explicado, em partes, por apresentaram uma maior velocidade de contração e, ao mesmo tempo, apresenta menor capacidade de suportar tensões. Somado a isso, são músculos com uma demanda grande, já que são grandes e normalmente apresentam uma anatomia complexa. Além disso, são músculos que costumam estar posicionados de maneira mais superficial nas suas respectivas regiões.
As fibras musculares podem ser dividas em dois tipos: fibras de contração lenta, tipo I, e as fibras de contração rápida, ou tipo II. Músculos mais tônicos, responsáveis por manutenção das posturas, costumam apresentar mais fibras do tipo I, que, por sua natureza, são fibras com menor velocidade de contrações e mais resistentes à fadiga. Por outro lado, as fibras tipo II são as de contração rápida, que podem ser subdivididas em IIA e IIB. As fibras IIA, ou intermediárias, apresentam maior quantidade de mitocôndrias e mioglobinas que a IIB, sendo por isso mais resistentes à fadiga. Apesar de toda essa distribuição variável, é importante ressaltar que, de acordo com a modalidade ou estímulo de treino que o atleta for submetido, as fibras tipo II podem se transformar em fibras de tipo I.
Os músculos apresentam capacidades de efetuar diferentes tipos de contração. Contração isométrica, cuja força é gerada pelo músculo na mesma quantidade da resistência que se opõe, não resultando em movimento ou variação do tamanho do musculo. Contração concêntrica, cuja força gerada pelo músculo é maior que a resistência, criando um encurtamento do músculo trabalho e a contração excêntrica, onde a resistência é maior que a força gerada pelo músculo, ocasionando, ao mesmo tempo que se tem a contração, um estiramento do músculo
Tudo isso então serve para nos atentar para um fator importante no entendimento da lesão e dos processos reparativos da lesão: Esses tecidos todos são adaptáveis e estão inseridos em um tecido muscular que tem como principal função, proporcionar movimentação. Ou seja, não faz sentido adotarmos apenas medidas passivas para nosso processo de reabilitação de um sistema completamente ativo!
Observando a imagem abaixo, fica claro esse processo ativo que ocorre. Desde a fase de inflamação, já existe uma movimentação de ativação das células satélites. É logico que nessa fase o tecido muscular ainda estará sofrendo dos danos causados pela lesão, mas isso rapidamente vai se alterando.
Entre a fase 3 e 4, o processo passa a ser menos passivo ao se transformar em uma fase mais de remodelamento, ou seja, precisa ter mais estímulos ativos para que as células satélites se adaptem da melhor maneira possível. É apenas na fase 5 que começamos a ter a presença de uma nova cicatriz e o processo de inervação dessas nossas miofibras.
Vale ressaltar que o tempo apresentado na imagem é muito mais ilustrativo do que qualquer outra coisa. Esse tempo de reparo vai depender de uma série de fatores como: local da lesão, extensão, se é ou não uma recidiva, entre outros fatores. Ou seja, data não determina a evolução do processo de recuperação muscular.
Figura 2. Processo de lesão-reparo ao longo dos dias em uma lesão muscular. Fonte: Autor
As fases de cicatrização de um tecido muscular lesionado seguem um processo comum de destruição celular, reparo e remodelação. Essas fases seguem uma ordem constante e, por mais que se tentem apurar prazos específicos para cada fase, eles costumam acontecer de maneira sobrepostas e costumam ser dependentes.
Aqui, nosso objetivo é entender o que acontece em cada fase para que nós, Fisioterapeutas, possamos acelerar, de maneira segura, o processo de recuperação.
Fase 1: “Destruição”: caracterizada pela ruptura e posterior necrose das miofibrilas, pela formação do hematoma no espaço formado entre o músculo roto e pela proliferação de células inflamatórias.
Fase 2: “Reparo”: reparo e remodelação – consiste na fagocitose do tecido necrótico, na regeneração das miofibrilas e na produção concomitante do tecido cicatricial conectivo, assim como na neoformação vascular e no crescimento neural.
Fase 3: “remodelação” – período de maturação das miofibrilas regeneradas, de contração e de reorganização do tecido cicatricial e da recuperação da capacidade funcional muscular.
Figura 3 – Ilustração esquemática da recuperação do músculo esquelético
Ao longo da diminuição da fase de destruição, o presente reparo da lesão começa com o processo de regeneração e de formação da fase de modelamento. Isso é relevante pois é fundamental que haja equilíbrio entre estímulos ao longo dessa fase, já que é a partir daqui, serão formadas as novas miofibras.
Mecanismos de lesão
As lesões musculares podem acontecer de maneira direta, quando há um trauma direto, ou de maneira indireta, quando há um alongamento excessivo ou uma tentativa de frear o movimento através de uma ação excêntrica maior que a capacidade que tecido muscular pode suportar.
As “lesões diretas” são influenciadas por diferentes variáveis como a intensidade do trauma, o local e a posição do músculo no momento do trauma. Tudo isso pode influenciar a condição clinica do paciente, as escolhas do tratamento e também o prognóstico. Nessas lesões, pode existir lacerações, que mesmo sendo menos frequentes, geram uma incapacidade grande do atleta.
As lesões indiretas, costumam envolver a contração excêntrica do músculo, podendo gerar ruptura parcial ou completa, afetando principalmente grupamentos musculares que apresentam mais fibras tipo II e que cruzam mais de uma articulação. Isso explica, em partes, as áreas mais acometidas por lesões desse tipo: isquiotibiais, reto femoral e cabeça medial do gastrocnêmio. Esse tipo de lesão pode ser causado por sobrecarga mecânica ou por alguma lesão neurológica. Além disso, pode gerar ruptura parcial ou completa.
Trazendo para os isquiotibiais, por exemplo, que é um dos músculos mais acometidos quando o assunto é lesão muscular, estudos apontam que, além dos mecanismos clássicos, variações na posição do joelho, quadril e tronco surgem como um possível meio incitador de lesões, ao menos para futebolistas.
Para os dois mecanismos, inclusive, costuma atingir a junção miotendínea.
Avaliação
Em linhas gerais nosso processo avaliativo pode ser dividido em dois principais alicerces: uma avaliação mais “Passiva”, onde vou levantar questões de anamnese e histórico de lesões, inclusive outras lesões musculares e lesões ortopédicas gerais, que podem ter uma relação direta ou indireta com essa lesão muscular. Mas é importante ressaltar: não devemos criar relação direta com nada! Lesões sempre são complexas, então não podemos nos bastar em aspectos reducionistas e dizer: teve essa lesão agora porque teve essa lesão há dois anos”. Cuidado com essas afirmações.
Nessa primeira parte do processo avaliativo, é a hora de perguntar e entender sobe o mecanismo de lesão, lembrando que as lesões podem ter influência de movimentos de joelho, quadril e tronco – e não somente da característica do gesto relacionado com a lesão (alongamento ou sprint). E também já que o entendimento desse mecanismo de lesão pode impactar diretamente as escolhas terapêuticas.
Nessa parte mais passiva da avaliação, devemos incluir também: a palpação de pontos dolorosos, palpação de possíveis gaps (rupturas), visualização de hipotrofias e presença de hematomas. Na imagem abaixo, observamos a diferença de trofismo em 11 dias de tratamento.
Fonte: Autoria própria (imagem autorizada pelo paciente)
No segundo momento, passamos por um processo de avaliação mais “ativo”, baseado em exame físico e avaliação de função.
É válido aqui retomar o conceito de que as lesões envolvem um processo contínuo de avaliação, ou seja, nosso processo avaliativo precisa ser constante. Isso não significa preencher uma ficha de avaliação com o paciente todo dia, mas encontrar aspectos relevantes no caso e acompanhá-los no dia-a-dia.
Ainda nesse processo de avaliação mais ativo, precisamos ressaltar os testes de provas de função muscular. E além de pensar nos testes clínicos convencionais, aqueles provocativos ou irritativos, é importante pensar em explorar a força com diferentes amplitudes de movimento. Por exemplo, se tenho uma hipótese de lesão muscular de quadríceps, devo avaliar a força muscular desse quadríceps em diferentes angulações. Isso porque, dependendo da extensão da lesão, ela pode ficar oculta se for avaliada apenas em uma amplitude específica. A imagem abaixo, por exemplo, apresenta dados de uma avaliação de força isométrica no 3º. Dia pós-lesão de isquiotibiais de um atleta amador de futebol. Observe como o posicionamento do joelho pode influenciar no pico de força.
Uma forma de se reproduzir um teste em diferentes amplitudes, é utilizando o SLR com apoio do brace para casos de lesões de IQT, como na imagem abaixo, retirada do “Manual Aspetar de lesões musculares”:
A ideia, nesse caso, é de se realizar uma flexão ativa do quadril, mantendo o joelho na máxima extensão. Dessa forma, o paciente terá que realizar um movimento com carga, repetidas vezes, no máximo da amplitude possível.
Também é importante notar que esse processo de avaliação pode envolver diferentes tipos de contração: comece com isometrias, evolua para diferentes amplitudes, passe para uma avaliação concêntrica e não deixe de realizar uma avaliação excêntrica, se possível. Isso tudo usando testes de resistência manual e, se possível, equipamentos como dinamômetro para fazer essa avaliação.
Em lesões musculares crônicas, costuma-se encontrar um déficit importante de ativação excêntrica da musculara, chamado de inibição neuromuscular. Por isso a importância dessa avaliação ampla.
Figura 3 – Avaliação da força excêntrica com a utilização do NordBord (adaptado de Macdonald et al, 2019; Imagem retirada de Högberg et al, 2022)
Uma outra ferramenta que pode ser utilizada são as PROMs (Patient report Outcome Measures), que são questionários padronizados que podem ser utilizados para entender qual é a percepção do paciente sobre a sua condição de saúde atual. Nas lesões musculares são poucas as ferramentas disponíveis. Para lesões de isquiotibiais, por exemplo, foi desenvolvida a FASH (Functional Assessment scale for acute hamstring injuries), que apresenta bons índices de suas propriedades de medida, porém ainda não apresenta sua tradução para o português documentada. Esse questionário apresenta 10 perguntas para avaliar as características da dor durante a realização de diferentes atividades como se manter em apoio unipodal, realizar um agachamento ou um exercício nórdico, por exemplo (Lohrer et al, 2016).
Em resumo, itens que são imprescindíveis ao longo do processo de avaliação pós-lesão muscular:
– Histórico de lesão;
– Mecanismo de lesão;
– Inspeção (Hipotrofias, hematomas);
– Palpação dos pontos de dor;
– Palpação de possíveis gaps;
– Amplitude de movimento;
– Testes de prova de função muscular;
– Questionários (PROMs);
– Testes funcionais (que sejam condizente com a função do paciente).
Classificação
O diagnóstico da lesão geralmente é dado a partir de uma suspeita clínica e avaliação cautelosa e bem detalhada.
A ressonância magnética é de grande importância para diferenciação entre uma lesão total ou incompleta do músculo e é considerada o padrão ouro para visualização da extensão e localização das lesões e claro para o planejamento de um tratamento adequado (Fernandes et al, 2011).
Quanto a classificação das lesões musculares baseados em sinais clínicos, os sistemas de classificação aplicados com maior frequência e mais amplamente utilizados são os propostos por O’Donoghue, 1962 (Tabela 1), que utiliza uma classificação baseada na gravidade da lesão, relacionada a quantidade de dano tecidual e perda funcional.
Tabela 1: Sistemas de classificação das lesões musculares
No entanto, a falta de padronização e a utilização de termos que ficam amplos, sempre fizeram clínicos procurarem novas formas de classificação das lesões musculares. Nessa esteira, é importante citar o “Consenso de Munich” (Mueller-Wohlfarht et al) e a “Classificação Britânica” (Pollock et al, 2015).
A classificação do “Consenso de Munich” (Figura 4) apresenta como principal vantagem justamente a padronização e a definição das desordens e lesões musculares a partir de uma classificação compreensiva e funcional. A abordagem a partir de uma classificação funcional para as lesões musculares é diferente da abordagem apenas baseado na lesão estrutural, na qual utiliza-se termos amplamente divulgados e não específicos, como estiramento, por exemplo, que sempre foi um termo muito vago e generalizado.
Essa classificação proposta pelo Consenso de Munich, diferencia dois principais grupos de lesões musculares: lesão por trauma direto e indireto. Dentro do grupo das lesões por trauma indireto, a classificação sugere o conceito de “lesões funcionais” e lesões “Estruturais”.
As lesões chamadas de ‘funcionais” descrevem queixas funcionais sem alteração macroscópica evidente, como rupturas de fibras. Essas lesões apresentam causas multifatoriais e são subgrupadas a partir da sua origem clínica, como a sobrecarga ou distúrbios neuromusculares.
Já as lesões musculares estruturais são aquelas que nos exames de RNM apresentam evidentes rupturas musculares, normalmente nas regiões de junções miotendínea.
Figura 4. Classificação das lesões musculares – Consenso de Munich
Tradução livre. Autoria própria.
Definições e características propostas pelo Consenso de Munich
Lesão do tipo 1A: é classificada como uma fadiga induzida por desordem muscular, definida como um aumento do tônus muscular, devido aos esforços excessivos, mudanças de superfície de jogo, ou mudança em padrões de treinamento. Como os principais sintomas, temos: rigidez muscular dolorida, aumentando com atividade contínua, podendo provocar dor em repouso, durante ou após atividade física. Os sinais clínicos são: dor fraca, difusa, e tolerável nos músculos envolvidos, e aumento circunscrito de tônus, sendo os relatos dos atletas “rigidez muscular”. A lesão 1A pode ser focal ou em todo comprimento muscular, e o exame de imagem é negativo, ou seja, não é uma lesão que apresenta sinais radiográficos.
Lesão do tipo 1B: é classificada como uma dor muscular de início tardio, generalizada, que surge após contrações excêntricas e apresenta como sintomas principais: dor inflamatória aguda e dor em repouso, surge com algumas horas depois da atividade física e apresenta como principais sinais: edema, rigidez muscular, limitação da mobilidade de articulações adjacentes, dor durante contração isométrica, e alongamento terapêutico provoca alívio. A localização costuma envolver toda extensão muscular, ou grupo muscular, e no exame de imagem (Ultrassom/ RNM), ainda não é visível, ou se apresenta apenas com um edema.
Lesão do tipo 2A: é classificada como desordem neuromuscular (relação com a coluna vertebral), definida como um aumento do tônus muscular, devido a desordem funcional ou estrutural da coluna vertebral/lombopélvica. Apresenta, como sintomas: rigidez muscular dolorida, que aumenta durante atividade continua, não apresenta dor em repouso. Os sinais clínicos são: aumento do tônus muscular, com edema discreto entre músculo e fáscia, reação defensiva no alongamento muscular e dor a pressão. Envolve, geralmente, o fascículo muscular, ao longo de todo comprimento do músculo, e no exame de imagem (Ultrassom/ RNM), ainda não é visível ou apresenta apenas um edema.
Lesão do tipo 2B: é classificada como uma relação muscular com desordem neuromuscular, aumento do tônus muscular, pode resultar de disfunção do controle neuromuscular tal como inibição recíproca. Apresenta como sintomas: dor, aumentando gradualmente a rigidez e tensão muscular. Os sinais clínicos são: aumento do tônus muscular, edema, dor a pressão. Sobre a localização, envolve principalmente todo comprimento do ventre muscular, não sendo visível ou apresentando apenas edema no exame de imagem (Ultrassom/ RNM).
Lesão do tipo 3A: é classificada como um rompimento muscular parcial menor. Sintomas: dor aguda, caracterizada por uma dor em pontada. No momento da lesão, o atleta frequentemente apresenta um estalido seguido por um súbito início de dor localizada, onde os sinais clínicos são: dor localizada bem definida, provável gap. Sobre a localização: principalmente na junção miotendínea, e ao exame de imagem apresenta-se como positivo para interrupção de fibra em alta resolução (RNM), e com hematoma intramuscular.
Lesão do tipo 3B: é classificada como um rompimento muscular parcial moderado, definida como um rompimento de diâmetro maior do que um fascículo muscular, apresenta como sintomas: dor aguda (sensação de esfaqueamento), sendo perceptível esse rompimento no momento da lesão. O paciente muitas vezes experimenta um estalido seguido por um início súbito de localização da dor, com possível queda e déficit funcional. Como sinais clínicos, temos dor localizada e bem definida, defeito palpável na estrutura do músculo (gap), muitas vezes apresentando hematoma, localizado pincipalmente na junção miotendínea, apresentando-se ao exame de imagem como positivo para uma ruptura de fibra significativa, provavelmente incluindo alguma retração, com lesão fascial e hematoma intramuscular. Lesão do tipo 4: é classificada como um rompimento subtotal do músculo ou avulsão tendinosa. Apresenta como sintomas: dor maçante no momento da lesão, o rompimento é perceptível pelo paciente, onde ele sente um estalido seguido por um início súbito de dor localizada, associada 1ª queda do atleta e déficit funcional. Os sinais clínicos são a presença de um grande defeito no músculo, hematoma, “gap” palpável, retração muscular, dor com o movimento e perda de função. Localiza-se principalmente na junção miotendínea, ou junção osseatendínea, e no exame de imagem (Ultrassom/ RNM), aparece como subtotal/ completa descontinuidade do musculo/ tendão, possível ondulação e retração na morfologia do tendão, com lesão fascial e hematoma intermuscular.
Contusão/ Lesão direta: é classificada como trauma muscular direto, causado por uma força externa brusca, levando a propagação ou hematoma circunscrito dentro do músculo, causando dor e perda do movimento, definida como dor maçante no momento da lesão. O paciente frequentemente relata mecanismo externo definido. Apresenta como sintomas dor difusa, hematoma, dor ao movimento, inchaço, ADM diminuída, sensibilidade a palpação dependendo da gravidade do impacto, pode ser capaz de continuar a atividade. Localiza-se em qualquer músculo, sendo na maioria das vezes, atinge o vasto medial e reto femoral, e ao exame de imagem (Ultrassom/ RNM), apresenta-se como difusa ou hematoma circunscrito em várias dimensões.
Abaixo, uma imagem com o resumo dos principais locais e tipos de lesão comumente encontrado nos isquiotibiais.
Figura 4. Lesões de IQT como proposto pelo Consenso de Münich. (Retirado de Mueller-Wohlfarht et al., 2016)
Clinicamente, essa nova forma de se avaliar as lesões musculares dá muito mais poder para que clínicos se respaldem e baseiem seus diagnósticos sem precisar necessariamente de um exame de imagem. Além disso, quando a avaliação clínica for bem empregada, ocorre uma diminuição do gasto com exames desnecessários. Outro fator positivo é a facilitação da troca de informação entre diferentes profissionais que, sabendo e entendendo os termos mais adequados, com certeza irão propor as melhores e mais adequadas intervenções.
Já a classificação proposta por Pollock engloba a utilização de avaliação clínica associado à exame de imagem, o que apresenta uma maior robustez dos dados apresentados, incluindo a localização exata e a extensão do dano.
Nessa classificação Britânica, as lesões são graduadas de 0 a 4 acrescida de um sufixo para descrever a localização. Para as lesões miofasciais, usa-se “a”; para as lesões músculo-tendíneas, “b”; e para as lesões intratendíneas. “c”. (Figura 5)
Figura 5. Classificação Britânica de lesões musculares. (Retirado de Pollock et al, 2019)
Cientificamente, o fato de se criar uma padronização mais específica favorece o surgimento de novas e melhores evidências abordando o mesmo tema e o mesmo tipo de lesão. A partir disso, as evidências que apontarão as melhores condutas em caso de lesão e, principalmente, os melhores protocolos de prevenção de lesão musculares que deverão surgir e ser implementados.
Existe, por exemplo, diretrizes de tratamento específicos para cada tipo de lesão de acordo com a classificação Britânica (MacDonald et al, 2019).
Tópicos de tratamento
Mais importante do que uma receita específica, vamos pensar aqui em alguns pontos importantes desse processo.
Vale ressaltar que a grande parte da boa literatura para tratamento de lesão muscular envolve as lesões de isquiotibiais. Aqui, podemos expandir o pensamento para outros grupos musculares, mas devemos fazer isso com cautela.
Então, inicialmente, gostaria de abordar alguns pontos importantes:
– Qual vai ser, em linhas gerais, o objetivo do tratamento?
Ter mais condição muscular. Mais músculos trabalhando de uma maneira apropriada, menos risco. Nessa linha, nosso objetivo é ganhar o máximo de função do paciente e, ao mesmo tempo, diminuir o risco de uma fibrose. Também temos que pensar que nem sempre conseguiremos realizar um retorno acelerado do paciente. E talvez o importante seja fazer um retorno seguro, minimizando riscos de uma nova lesão.
– Tempo de lesão não é critério de evolução e muito menos de alta.
Embora seja um dos critérios que podemos levar em consideração, NÃO é o único! Não adiantaria, por exemplo, ficar quatro semanas de repouso total, diminuir sinais clínicos e achar que o paciente está pronto para retornar. Então, cuidado! Mais importante do que um prazo em números de dias, é preciso pensar nas tarefas que estão sendo adquiridas para construir uma habilidade motora completa.
– Apresentação clínica é relevante!
Não estamos dizendo que não precisa saber de fisiopatologia. Muito pelo contrário, ela vai nos ajudar a entender qual fase que estamos e como evoluir a partir disso. No entanto, a apresentação clínica do meu paciente vai ser muito mais relevante. Uma grande hipotrofia associada à um grande hematoma, por exemplo, indica uma lesão com uma extensão maior e, consequentemente, mais cuidados.
– Início precoce ou início tardio?
Quanto mais cedo for iniciado o processo de reabilitação, melhor. Atrasar a reabilitação pode fazer com que o paciente apresente um quadro de dor mais longo e, fatalmente, demore mais para retornar às suas atividades. Estudos que comparam o tempo de inicio de tratamento entre inicio precoce (2 dias pós-lesão) e inicio tardio (9 dias pós-lesão) encontram uma recuperação, em média, até 3 semanas mais rápidas e sem aumentar o risco de uma re-lesão ( Magnunsson et al, 2017). Aparentemente, se ficar um tempo maior de imobilização desse musculo, o tecido muscular e tendíneo tendem a perder capacidade contrátil e atrapalham a reparação do tecido conectivo.
– O paciente pode sentir dor durante a realização de exercícios para tratamento de lesões musculares?
Sim. Aparentemente o paciente sentir dor durante a execução de exercícios de reabilitação pós-lesão muscular não causa nennum efeito adverso e ainda auxilia em um aumento da força isométrica de flexão do joelho em casos de lesões de isquiotibiais (Hickey et al, 2020).
Durante nosso tratamento, sempre ficamos preocupados com o limiar de dor. A sensação que temos é que se dói, o paciente precisa parar. Mas não é bem isso que a ciência tem mostrado ultimamente.
Podemos então, combinar com o paciente que sentir um nível intermediário de dor (até 5-6 pontos na escala numérica de dor) é aceitável. Isso não vai ser responsável por acelerar o processo de tratamento, mas pode gerar os benefícios citados anteriormente.
– Alongar prejudica a reabilitação?
Aparentemente não! Um estudo recente (Vermuelen et al, 2022) demonstrou que protocolos que introduzem precocemente posições de alongamento durante a reabilitação de lesões em músculos da região posterior da coxa, não altera o risco de relesão e nem diminui o tempo de afastamento do paciente. Ou seja, introduzir posturas alongadas pode ser uma prática segura. Como sempre, o bom senso continua sendo importante já que eu preciso me preocupar em alongar caso haja algum encurtamento. Simples assim!
– O tratamento em linhas gerais
As evidências apoiam o início precoce de exercícios de fortalecimento, inclusive de estímulos excêntricos, desde o inicio, sempre guiado pela tolerância à dor do paciente. Intervenções bem-sucedidas costumam incluir de 6 a 12 repetições, dependendo do tipo e da intensidade do o exercício, com carga e amplitude de movimento sendo aumentadas de acordo com o tolerado pelo paciente.
Os pacientes devem realizar os exercícios 2 a 3 vezes por semana. Outras evidências também sugerem a utilização de exercícios progressivos de agilidade e estabilização do tronco e um programa envolvendo aceleração e desaceleração do gesto, com aumento progressivo da velocidade da execução da tarefa, durante todo o processo de reabilitação, conforme tolerado.
Os benefícios de treinamento excêntrico, somado ao alongamento, fortalecimento, programas de estabilização costumam diminuir o tempo de retorno ao esporte e também as taxas de relesão.
Tabela 1. Esquema das fases de recuperação pós lesão muscular
Critérios para Alta
A pergunta que mais escutamos dos nossos pacientes é o “quando vou voltar a fazer o que gosto/ Jogar meu esporte preferido”. Mais importante do que uma data específica para responder ao seu paciente, é saber qual critério que será levado em consideração para considerá-lo apto ao retorno. Responder isso apenas baseado no TEMPO, é derrota na certa… Isso porque é lesões funcionais, por exemplo, costumam ser mais rápidas do que as estruturais, e as duas lesões são diferentes quando comparado ao processo de maturação biológico de 28 dias! Se fosse levar em conta apenas a biologia, todas as lesões musculares gerariam um afastamento de, no mínimo, 28 dias. E não é o que acontece!
Pensando em atletas, um ponto que devemos ter em mente: retorno ao esporte é diferente de retorno à performance. Voltar ao esporte pode ser, por exemplo, uma ferramenta para fazer com que o atleta volte a participar das atividades de algumas sessões de treino ao longo da semana da equipe, por exemplo. Mas isso não quer dizer que ele está 100% apto para jogar uma competição.
Mas, para tentar minimizar o risco de uma reincidência de lesão, temos que ter critérios claros e bem definidos para saber a hora certa de liberar aquele paciente. A literatura ainda não é bem esclarecida nesse tópico e, novamente, os melhores estudos são os provenientes das lesões de isquiotibiais. Mas, de uma forma mais generalizada, podemos pensar em dois grandes grupos de informações: O “nível de atividade” e a “avaliação clínica”.
Para entendermos o “Nível de atividade”, podemos observar o próprio relato do paciente (NPRS, FASH, sensação); os testes funcionais (Analise de corrida, análise do gesto, testes específicos da modalidade, resultados do hop teste, testes de agilidade, testes dinâmicos), por exemplo.
Pensando em termos mais gerais, se olharmos para atletas, temos que lembrar que a função a ser avaliada vai depender da modalidade e da posição do atleta, sempre pensando em testar algo que condiz com a realidade daquele paciente naquele momento. Não faz sentido eu tentar fazer um Hop Teste em um paciente com 3 dias de lesão estrutural de isquiotibiais, por exemplo. Também não faz sentido eu testar um jogador de vôlei que se lesionou aterrissando de um bloqueio colocando-o para correr na esteira.
A “Avaliação clínica” vai normalmente ser guiada pela ausência de sintomas como dor, déficits de força ou de amplitude no membro afetado.
Trazendo para termos mais objetivos, podemos usar:
Tabela 2. Critérios observados para alta
Além disso, sempre considerar um retorno gradativo à carga. Se o tecido depende uma adaptação, não adianta no dia seguinte ao retorno o sujeito ser submetido ao mesmo treino que ele fazia no dia da lesão! Expor gradualmente à pessoa às mesmas atividades de antes requer tempo e paciência.
Por fim, mas não menos importante, ficou claro nesse tópico que não foi falado que há a necessidade de se ter um exame de imagem antes de liberar o sujeito à sua rotina, correto?! Isso porque exame de imagem não é um bom critério de alta. Imagina que um tecido muscular só tenha feito repouso e, por volta dos 60 dias pós-lesão, foi para um novo exame de imagem. É bem capaz que, radiologicamente, ele apareça como um tecido saudável, integro. Mas será que se ele for submetido à uma carga, ele conseguirá suportá-la? Provavelmente não! Isso pois a característica funcional do nosso paciente é diferente da característica imaginológica.
Prevenção
O provérbio está na boca de todos: “Prevenir é melhor do que remediar”. É na Fisioterapia isso é muito obvio. Faz muito mais sentido que encontremos estratégias para conseguir fazer com que nosso paciente/atleta se mantenha ativo sem que a sua atividade seja prejudicada. Mas isso é uma grande equação que não é fácil de ser gerenciada.
No futebol, por exemplo, parece que as lesões musculares de isquiotibiais continuam com as taxas crescentes. Quando colocado de uma outra perspectiva, onde vemos que em média, a quantidade de ações de alta velocidade de um jogador realizada durante uma partida tem aumentado significativamente temporada após temporada, vemos que as lesões não aumentaram nessa mesma proporção. O que isso quer dizer? Que cada vez mais que estamos tentando conhecer cada atleta e sua capacidade física e regenerativa, estamos mais propensos a prevenir as lesões que podem ser preveníveis. E isso não quer dizer “acabar com a lesão”, mas mitigar seus riscos, diminuir sua incidência e seus danos.
O objetivo desse capítulo e trazer possíveis ferramentas que podemos utilizar no dia-a-dia para ajudar no processo de prevenção.
Controle de carga
Carga é uma combinação entre estressores esportivos e não esportivos, e podem ser divididas em carga interna e externa.
As cargas internas de trabalho são respostas fisiológicas e psicológicas individuais perante a um estimulo externo (carga externa de trabalho), como por exemplo o aumento da frequência cardíaca ou concentração de lactato sanguíneo durante sprints (treinos ou jogos) ou atividades na academia, que podem ser objetivamente mensuráveis (monitoramento da FC) ou subjetivamente mensuráveis, Session-Rating of Perceived Exertion (s-RPE). Cargas externas de trabalho são estímulos externos ligados ao atleta, é o trabalho físico esportivo e não esportivo objetivamente mensurável (número de sprints, pesos levantados, distância total percorrida, etc.), realizado durante uma competição, treinos ou vida diária. Essa carga externa geralmente é mensurada através de dispositivos como Global Position System (GPS), por exemplo (SOLIGARD et al., 2016).
A relação entre carga interna e externa é que enquanto a carga externa fornece informações sobre o trabalho realizado e as capacidades de desempenho do atleta (SOLIGARD et al., 2016) a carga interna é o gatilho das adaptações induzidas pelo treinamento. O monitoramento constante da carga interna pode ajudar a identificar necessidades de recuperação, prever diminuição no desempenho, antecipar problemas de saúde, se tornando um pilar de um programa eficaz para manejo da carga de trabalho.
A relação de carga de trabalho aguda-crônica (A:C) é a relação entre a carga aguda (semana atual) e carga crônica (carga média das últimas 4 semanas). O monitoramento da relação A:C ajuda a manter a carga de trabalho do jogador em uma “zona de alta carga, baixo risco” (0,8 – 1,3), ou seja, quando a relação A:C está muito baixa (< 0,8) ou muito alta (> 1,5), o risco de lesão aumenta, necessitando ajuste da carga (GABETT, 2016; McLEAN et al., 2010; HULIN et al., 2016).
A carga de trabalho interna geralmente é avaliada com a utilização da classificação do esforço percebido (s-RPE), onde os jogadores são instruídos a classificar a intensidade geral de todas as sessões de treinamentos e jogos utilizando a escala de borg. Então a carga de trabalho é calculada através do método proposto por Foster (2001), o qual a taxa de intensidade da sessão é multiplicada pela duração de cada jogador para cada sessão de treinamento ou partida. As cargas de trabalho totais de treinamento são calculadas de todas as sessões de treinos, como: sessões no campo, academia e sessões de recuperação, e jogos tanto amistosos quanto de campeonatos (McCALL; DUPONT; EKSTRAND, 2018).
A carga ideal é algo que ainda está desenvolvimento. Ela difere de atleta para atleta e muda constantemente baseando-se em múltiplos fatores, os quais incluem as fases da temporada, status de treinamento, níveis de condicionamento físico e fadiga, qualidade do sono, estressores não esportivos e etc. Encontrar a carga de trabalho ideal e adaptar constantemente programas de treinamento à capacidade de mudança de cada atleta é uma arte e uma ciência. É um processo continuo, o qual requer um monitoramento diário da carga interna, e pelo menos uma medida da carga externa (frequentemente duração ou distância), o rastreamento das métricas de bem-estar e o uso dessas medidas para ajustar os programas de treinamento, recuperação e descanso do atleta (GAZZANO, 2017). A figura abaixo demonstra a relação entre carga-performance-lesão.
Comunicação
Ekstrand e colaboradores solicitaram que os profissionais da equipe de saúde de 36 clubes de elite, de 17 países da Europa, preenchessem um questionário a respeito da percepção deles sobre o estilo de liderança demonstrado pelo técnico do seu respectivo clube e avaliaram a incidência de lesões ao longo da temporada.
Foram preenchidas e enviadas 77 respostas.
Os resultados mostraram que há uma forte relação entre o estilo de liderança do treinador, a incidência de lesões graves (com mais de 28 dias de afastamento) e a disponibilidade de Jogadores para treinos e jogos.
Além disso, equipes cujos treinadores empregam um estilo de liderança democrático têm menor incidência de lesões graves.
A incidência das lesões foi de 29 a 40% menor em equipes cujos técnicos se comunicavam de forma clara, tinham uma visão positiva do futuro e davam suporte à equipe de saúde, reconhecendo o seu trabalho.
Isso quer dizer que uma comunicação assertiva com o paciente pode e faz a diferença. DO mesmo jeito que essa mesma comunicação assertiva com a comissão técnica, por exemplo, pode ser determinante. E onde que isso se aproxima da prevenção? Se temos uma comissão técnica que confia no departamento de saúde, atletas que confiam no que estão ouvindo, a tendência é que haja uma adesão maior aos estímulos sugeridos e o controle de carga dito anteriormente passe a ser mais respeitado ainda.
Treinamento de força e exercícios específicos
Revisões sistemáticas com meta-analise recentes concluíram que, para prevenir lesões de IQT, exercício nórdico aparece como uma ótima opção, já que reduziram em 51% as lesões musculares nos clubes que faziam seu uso. Da mesma forma, para lesões de adutores, a utilização do exercício de Copenhagen aparece como uma ótima ferramenta.
Mais pesquisas são necessárias para definir especificamente os programas de prevenção mais eficazes a serem utilizados junto com aquecimento, alongamento, equilíbrio, fortalecimento e movimentos funcionais.
Além disso, a frequência e a progressão da carga de todas as intervenções preventivas precisam ser melhor definidas. As recomendações quanto à dosagem do exercício nórdico, por exemplo, podem variar, com volumes que variam de 2 séries de 3 repetições uma vez por semana a 3 séries de 10 repetições duas vezes por semana e uma progressão gradual para sessões por semana.
Esses exercícios geralmente são realizados após o treino e nos dias anteriores a um dia de descanso para permitir uma recuperação adequada.
Além do nórdico, o FIFA 11+, o HarmoKnee e “New Warm-up Program” são exemplos de programas específicos de prevenção de lesões. Esses programas incluem, além do exercício nórdico, como componentes de aquecimento, alongamento, treinamento de estabilidade, fortalecimento e movimentos funcionais (específicos do esporte, agilidade e corrida de alta velocidade).
Considerações finais
Tratar lesão muscular não é algo fácil! Envolve muito estudo, uma boa avaliação, um bom diagnóstico. Além disso, sempre que possível, envolve comunicação entre Fisio-médico-comissão técnica e, principalmente, atleta.
O objetivo com um paciente pós-lesão muscular é complexo pois apresenta diferentes lados da mesma moeda: Você quer um retorno o mais breve possível, mas com segurança. Você quer encontrar uma carga ótima de trabalho, que não pode ser nem pouca e nem muita. Você quer que o tecido se recupere e que não tenha uma cicatriz. Ou seja, temos muitas dualidades nesse processo.
E talvez a dica mais preciosa: se apoie na ciência, mas sem esquecer de falar com o seu paciente. Muitas vezes ele já passou por uma situação parecida e vai te dar “dicas” do que fez e foi bom ou não. Seu paciente precisar correr contra o tempo e voltar antes do prazo, correndo riscos, ou ele entende que pode esperar?
Nosso paciente aqui será o nosso termômetro. Constantemente! Converse com ele, ouça o que ele tem pra dizer.
Nosso objetivo aqui foi ter um panorama amplo sobre as lesões, de maneira mais leve e menos “burocrática”. Espero que você faça bom uso desse manual!
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