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Lesão do manguito rotador

A lesão do manguito rotador é considerada uma causa comum de dor no ombro, apesar de ser apenas um dos componentes no entendimento atual de dor. Os mecanismos subjacentes à patologia do manguito rotador incluem incidentes agudos e traumáticos, como queda, bem como problemas crônicos e multifatoriais relacionados a atividades repetitivas que sobrecarregam o ombro, impacto e degeneração do tendão associados ao envelhecimento normal. Ou seja, a lesão do manguito rotador abrange todo o espectro, desde lesão até tendinopatia, rupturas parciais e, finalmente, rupturas completas.

Por: Guilherme Paiva – São Paulo

Osteoartrite de Joelho

A idade desempenha um papel significativo pois a lesão do manguito rotador está intimamente ligada a um processo degenerativo que é progressivo. Pessoas com dor unilateral também correm o risco de uma ruptura no manguito rotador do ombro oposto. O tabagismo é um fator de risco conhecido com taxas e tamanhos aumentados de lesões degenerativas juntamente com lesões sintomáticas. 

Outro fator de risco é o histórico familiar onde parece haver correlação significativa entre indivíduos com doença do manguito rotador até primos de terceiro grau. Curiosamente, a postura também parece ser um preditor de doença do manguito rotador, com relatos na literatura de rupturas em 65% dos pacientes com posturas cifóticas, 54% com posturas retificadas e 49% com posturas sway-back, e em pacientes com postura mais neutra demonstrando apenas 3% de rupturas. 

Outros fatores de risco incluem trauma, hipercolesterolemia e ocupações ou atividades que exigem atividade significante acima da cabeça.

As rupturas parciais correm o risco de propagação adicional, tendo como fatores de risco: tamanho da ruptura, sintomas, localização e idade. Tamanho da ruptura: uma ruptura pequena pode permanecer estagnada, enquanto rupturas maiores são mais propensas a sofrer deterioração estrutural. Rupturas que aumentam progressivamente têm uma probabilidade cinco vezes maior de desenvolver sintomas do que aquelas que permanecem do mesmo tamanho. 

A localização da ruptura também parece influenciar a progressão com rupturas anteriores sendo mais propensas a progredir para degeneração do manguito.

Anatomia e biomecânica

O manguito rotador (MR) consiste em quatro músculos que se originam na escápula e se inserem na cabeça do úmero superiormente. Todos os 4 músculos do manguito funcionam como estabilizadores da articulação glenoumeral. O subescapular se insere no tubérculo menor do úmero e funciona como um rotador medial. O músculo supraespinhal se insere no tubérculo maior do úmero com sua função de abdutor para os 30º iniciais de abdução. 

O infraespinal também se insere no tubérculo maior, mas um pouco inferior ao supraespinal, e funciona como um rotador lateral. O redondo menor se insere inferiormente ao infraespinal no tubérculo maior e também funciona como um rotador lateral.

Magee, 4ªed, 2006

May T, Garmel GM.

A lesão do manguito rotador começa a partir de um trauma. O macrotrauma causa uma ruptura aguda, que geralmente é observada em um paciente mais jovem, resultando em uma ruptura completa. O micro-trauma causa degeneração do tendão e, com cicatrização insuficiente, leva a lacerações degenerativas.

Epidemiologia

lesão do manguito rotador representa mais de 4,5 milhões de visitas a provedores de saúde e aproximadamente 40.000 procedimentos cirúrgicos anualmente nos Estados Unidos (2017). Em adultos, a lesão do manguito rotador é a lesão do tendão mais comum vista e tratada. A incidência geral da lesão do manguito rotador é estimada entre 16% e 34%, aumentando de forma linear com a idade a partir da terceira década de vida. As lesões variaram de 9% em pacientes com 20 anos ou menos, aumentando para 62% em pacientes com 80 anos ou mais (com ou sem sintomas). 

Avaliação da lesão do manguito rotador

A história da doença do manguito rotador começa com dor podendo ser aguda e surgir de um evento traumático, ou gradual e leve, mas aumentando constantemente. Geralmente, os indivíduos ativos irão procurar um profissional da saúde quando não puderem mais praticar seu esporte, atividade ou trabalho sem causar dor. Muitas vezes, eles tentarão adaptar ou alterar sua biomecânica para permanecerem ativos, e somente quando não puderem mais se adaptar irão procurar ajuda. Dependendo de quando o paciente se apresenta, o tendão estará em qualquer condição, de tendinopatia a ruptura parcial ou ruptura completa.

Além disso, os pacientes costumam relatar aumento da dor e dificuldade com atividades acima da cabeça e atividades da vida diária. Eles também podem relatar dor ao levantar ou carregar objetos pesados e a dor pode, ocasionalmente, irradiar para a área do músculo deltóide. Também é comum relatos de dor ao deitar de lado para dormir.

Ao exame físico, pode-se constatar sensibilidade ao longo da inserção dos músculos supraespinal, infraespinal e redondo menor na tuberosidade maior/menor e atrofia muscular na fossa supraespinhal ou infraespinhal. É sugerido descartar outras fontes de sintomas como a cervical, por exemplo, analisando sua amplitude de movimento e testes de compressão radicular. 

Pedir ao paciente para realizar ativamente o movimento em abdução e flexão do ombro será muito útil, pois a lesão do manguito rotador costuma provocar dor no meio destes movimentos; isso é comumente chamado de arco doloroso. A análise de discinese escapular pode ajudar, já que em condições de lesão do manguito rotador a escápula tende a movimentar precocemente ou sem controle excêntrico.

Os seguintes testes visam colocar carga ou exigir resistência do manguito rotador e auxiliam o clínico no processo de raciocínio clínico e tomada de decisão:

Teste de Jobe – empty can (supraespinhal)

A dor do paciente é provocada durante resistência colocada pelo terapeuta na elevação do ombro no plano escapular a 90º (em rotação medial ) ou o paciente é incapaz de resistir à resistência aplicada.

Se dor não é provocada ou reconhecida, o teste é considerado negativo.

Full can test (supraespinhal)

A dor do paciente é provocada durante resistência colocada pelo terapeuta na elevação do ombro no plano escapular a 90º (em rotação lateral) ou o paciente é incapaz de resistir à resistência aplicada.

Se dor não é provocada ou reconhecida, o teste é considerado negativo.

Teste da Rotação lateral resistida

A dor do paciente é provocada durante rotação lateral do ombro resistida pelo terapeuta, cotovelo a 90º de flexão e braço ao lado do corpo, ou o paciente é incapaz de resistir à resistência aplicada. Se dor não é provocada ou reconhecida, o teste é considerado negativo.

Belly Press/Napoleon Test

O paciente  apresenta um desvio posterior do cotovelo ao pressionar a barriga com a própria mão indicando lesão do subescapular. Se o cotovelo permanecer alinhado com a linha lateral do tronco, o teste é considerado negativo.

Uma proposta de avaliação e tratamento da lesão do manguito rotador que pode ser considerada é a Abordagem por etapas para classificação de reabilitação: Distúrbios do ombro (Staged Approach for Rehabilitation Classification: Shoulder Disorders – STAR-Shoulder). 

Nesta abordagem, a classificação inclui: 1 triagem – Exclusão de red flags (necessário cuidado médico) e identificação de questões psicossociais; 2 diagnóstico patoanatômico – sinais de impacto nos testes de Neer, teste de Hawkins-Kennedy e teste de Jobe, arco doloroso, dor com resistência isométrica, fraqueza e atrofia; e 3 reabilitação baseada na irritabilidade tecidual e déficits. 

Classificações de irritabilidade: alta – dor ≥7/10, dor noturna ou em repouso, dor antes do fim da amplitude de movimento (ADM), ADM ativa menor que ADM passiva, alta incapacidade; moderada – dor 4-6/10, dor noturna ou em repouso intermitente, dor no fim da ADM, ADM ativa similar a passiva, incapacidade moderada; baixa – dor ≤3/10, ausência de dor noturna ou em repouso, dor mínima com pressão extra, ADM ativa igual a ADM passiva, baixa incapacidade. 

O Índice de Dor e Incapacidade do Ombro (Shoulder Pain and Disability Index – SPADI) pode ser utilizado para avaliar a incapacidade.

Exames de imagem (radiografia, ultra-som e ressonância magnética) podem ser levados em consideração no processo de raciocínio clínico e de mecanismos de dor. Em pacientes com uma grande ruptura crônica, o úmero proximal migrará para cima estreitando o espaço subacromial.

Para patologias do manguito rotador, o Procedimento de Modificação de Sintomas do Ombro (Shoulder Symptom Modification Procedure – SSMP) também pode ser aplicado. Primeiramente, é sugerido identificar as atividades que produzem os sintomas no ombro. Depois, é orientado utilizar uma das técnicas mecânicas na cabeça umeral, na escápula ou na torácica e cervical enquanto o paciente realiza novamente as atividades sintomáticas. 

O objetivo é identificar a técnica, ou as técnicas, que aliviam totalmente os sintomas, ou no mínimo 30% a intensidade de dor, durante a atividade e utilizá-las durante o tratamento. Não há sequência específica de aplicação das técnicas sendo decisão do fisioterapeuta a realização de acordo com o histórico de queixas e exame físico.

Técnica da cabeça umeral: consiste em se aplicar pressão na cabeça umeral e mudar sua posição durante o movimento sintomático do ombro (fig. 1) ou procedimentos de contração muscular que alterem o padrão de ativação muscular do ombro (fig. 2). A direção da força aplicada vai depender de avaliação prévia e testes com alívio dos sintomas, assim como os procedimentos de contração  muscular, geralmente tendendo a diminuir a translação superior da cabeça umeral (fig. 2). 

Fig 1

Fig 2

Mudança da posição escapular: consiste em se aplicar técnicas manuais para modificar o posicionamento escapular e aliviar os sintomas durante os movimentos que causam ou agravam os sintomas. Geralmente, inclui técnicas que aumentam o contato da escápula com o gradil costal e facilitam seu movimento de rotação ascendente (por exemplo, teste de assistência escapular).

Procedimentos na região cervicotorácica: Consiste em mudanças ativas ou passivas da região cervicotorácica com relação a sua posição, podendo utilizar feedbacks visuais, verbais e/ou sensoriais (fig. 3). O mais comum é a mudança da cifose torácica.

Fig 3

Tópicos de tratamento da lesão do manguito rotador

As opções de tratamento incluem manejo conservador e cirúrgico. Embora haja uma tendência a indicação para cirurgia após a ruptura traumática do manguito rotador, não há consenso sobre quando a cirurgia deve ser realizada para aqueles pacientes com dor crônica associada à degeneração e ruptura do tendão. As rupturas tendem a ser mais traumáticas e provavelmente respondem melhor à cirurgia, mas o papel do manejo não cirúrgico precisa ser melhor definido e vêm demonstrando resultados tão satisfatórios quanto às cirurgias nos desfechos dor e função a longo prazo.

O tratamento da lesão do manguito rotador depende da idade do paciente, de suas demandas funcionais e se a ruptura é aguda ou crônica. Para lesões completas em pacientes com menos de 40 anos, o tratamento cirúrgico é o tratamento geralmente recomendado seguido de reabilitação adequada, pois costumam ser lesões traumáticas e respondem bem à cirurgia, apesar da indicação necessitar de mais apoio da literatura.

O manejo conservador é sempre apropriado, desde que os pacientes estejam respondendo com melhora da função e diminuição da intensidade da dor. Geralmente, o tratamento dura de 6 a 12 semanas. Os reparos cirúrgicos podem ser apropriados em casos de falha do tratamento conservador ou em rupturas maciças.

Em casos de dor no ombro relacionada ao manguito rotador não-traumático, recentes guias recomendam o aconselhamento e educação do paciente com manejo não-cirúrgico como abordagem primária. O manejo não cirúrgico de qualidade compreende um programa graduado de exercícios de resistência progressiva (contra a gravidade e com carga externa), ocasionalmente em conjunto com exercícios de alongamento e mobilidade das estruturas do ombro e coluna torácica. 

É importante ressaltar que os exercícios de resistência progressiva são efetivos na melhora das características mecânicas do ombro, incluindo força muscular, cinemática e recrutamento muscular. Mas, os ganhos de força podem ser menos importantes clinicamente e outros mecanismos biológicos subjacentes ao treinamento de resistência podem ter um papel tão significativo quanto. 

Ou seja, as mudanças de propriedades do tendão, e tecidos ao redor, questões relacionadas à percepção corporal, cognitiva e de auto eficácia do paciente e entendimento dos mecanismos de dor são cruciais. 

As baixas expectativas em relação à eficácia da reabilitação em pacientes com rupturas maciças é o mais forte preditor de pacientes que eventualmente vão para a cirurgia. Por isso, avaliar as expectativas previamente e aconselhar adequadamente os paciente se fez imprescindível.

Se nos basearmos no STAR-Shoulder para o tratamento a sequência será:

– alta irritabilidade – minimizar o estresse físico, modificar as atividades e monitorar os déficits; 

– moderada irritabilidade – iniciar cargas físicas moderadas direcionadas aos déficits e com foco na restauração da atividade funcional; 

– baixa irritabilidade – aumentar o estresse físico com cargas físicas direcionadas aos déficits com foco na restauração da atividade funcional de alta demanda. 

Ao utilizarmos a proposta de SSMP como referência, podemos seguir as técnicas identificadas como aliviadoras dos sintomas e levar em consideração a irritabilidade para saber em qual fase utilizar. As técnicas são intercambiáveis e não há uma ordem a ser utilizada, assim, a tomada de decisão se baseará no conjunto de dados coletados na anamnese e exame físico.

A categoria de “síndrome da dor subacromial” é particularmente desafiadora e inclui rótulos patoanatômicos comuns, como impacto subacromial, tendinopatia bicipital, tendinopatia e rupturas do manguito rotador, bursite subacromial, instabilidade secundária e lesões SLAP. O uso atual de um número tão grande de categorias diagnósticas patoanatômicas que não são facilmente diferenciadas por um exame físico é impraticável e provavelmente não facilita a tomada de decisão de tratamento para reabilitação.

 

Critérios de alta da lesão do manguito rotador

É fundamental que se avalie os objetivos do paciente para colocar como objetivos de tratamento e, em geral, quando o paciente não apresenta mais sintomas e nenhuma limitação é dada a alta. No entanto, existem pacientes em que a ausência de dor não acontece e os outros critérios relacionados à função se tornam prioridade. Fatores psicossociais e cognitivo comportamentais podem fazer parte do tratamento e automanejo do paciente, sendo necessário seu acompanhamento para correta orientação e auto-eficácia.

Referências

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