Tendinopatias do Tendão Tibial Posterior A disfunção do tendão tibial posterior (DTTP) é uma condição comum entre as patologias do pé e tornozelo. …
A síndrome do Impacto Femoroacetabular (IFA) costuma ser um importante acometimento da articulação do quadril, resultando em limitações funcionais expressivas nesta população. Abordaremos aqui, pontos importantes relacionados à biomecânica, avaliação, e tratamento desta condição.
Por: Mariana Lira
A síndrome do IFA é caracterizada como um distúrbio clínico relacionado ao movimento do quadril com uma tríade de sintomas, sinais clínicos e achados de exames de imagem correspondentes.
Representa um contato prematuro sintomático entre o fêmur proximal e o acetábulo (Griffin et al., 2016). Alterações degenerativas podem se desenvolver a longo prazo como resultado desse contato anormal na articulação (Chaudhry et al., 2014).
A apresentação clínica mais comum desta condição envolve dor na região da virilha e perda da funcionalidade, repercutindo em redução da capacidade de realizar atividades de vida diária e prática esportiva (Philippon et al., 2007).
O quadril (articulação femoroacetabular) é uma articulação sinovial formada entre a cabeça do fêmur e o acetábulo da pelve. É uma articulação do tipo bola e soquete e seus movimentos requerem rolamento da cabeça femoral no acetábulo (Figura 1).
A cabeça do fêmur é coberta por colágeno Tipo II (cartilagem hialina) e proteoglicano, que contribuem para reduzir o atrito na articulação e ajuda os ossos a deslizarem facilmente uns sobre os outros durante o movimento.
O acetábulo é circundado por uma forte fibrocartilagem chamada labrum. O labrum forma uma junta ao redor do soquete, o que ajuda a dar estabilidade à articulação. Em um quadril saudável, a cabeça femoral se encaixa perfeitamente no acetábulo. Para uma revisão detalhada da anatomia e biomecânica do quadril, clique aqui.
No quadril normal, além da cobertura adequada da cabeça do fêmur pelo acetábulo, é importante existir uma folga articular suficiente para assegurar que haja acomodação do colo femoral em relação à periferia do acetábulo, propiciando os últimos graus de movimento (Figura 2a).
A cobertura acetabular excessiva (Figura 2b) ou uma morfologia anormal do fêmur proximal (Figura 2c), podem levar a um contato precoce entre a articulação cabeça-colo do fêmur e a borda acetabular, resultando em alteração mecânica do quadril com aumento do impacto articular.
Mecanismo de Lesão / Processo Patológico
Tipos de IFA (Figura 3):
Cam: O impacto pode surgir quando o recuo está diminuído, pela presença de saliência no colo do fêmur, que irá golpear a margem do acetábulo, especialmente à flexão e rotação interna do quadril. Esse tipo de efeito é conhecido como cam (Figura 3B). Assim, a maioria das lesões condrais do acetábulo ou labrais no impacto tipo cam são localizados anterossuperiormente.
Pincer: Quando as anomalias são predominantemente acetabulares o efeito é do tipo pincer (Figura 3C). Essas alterações decorrem de casos em que a cabeça femoral está excessivamente contida pelo acetábulo, por retroversão acetabular. Também existe a possibilidade, menos frequente, dessa alteração ocorrer devido ao excesso de anteversão acetabular.
Combinado ou misto: Impacto combinado significa que os tipos cam e pincer estão presentes (Figura 3D).
A presença de alterações morfológicas sem sinais e sintomas clínicos não é considerada como síndrome do IFA, e não determina que o indivíduo irá desenvolver a síndrome do IFA (Agricola et al., 2013). No entanto, os fatores que delineiam aqueles que desenvolvem sintomas e aqueles que não desenvolvem, não são claros.
Como o IFA é uma condição relacionada ao movimento, deficiências biomecânicas podem desempenhar um papel no desenvolvimento e persistência dos sintomas, bem como na deterioração estrutural da articulação.
Dentre os fatores que podem estar associados à condição, estão: fraqueza dos músculos profundos do quadril que compromete a estabilidade da articulação, e o deslizamento anterior artocinamático da cabeça femoral no acetábulo, que também pode aumentar a sobrecarga articular.
O impacto aumentado e repetido no labrum leva à ativação de receptores nociceptivos nessa estrutura por meio da produção de neurotransmissores, como a substância P (Casartelli et al., 2016), podendo resultar em uma experiência de dor.
De acordo com o Consenso de Warwick (2016), não há um único sinal clínico que indique o diagnóstico da síndrome do IFA. O teste FADIR é comumente utilizado na avaliação da síndrome do IFA, no entanto, o teste FADIR apresenta alta sensibilidade de 0,96 e baixa especificidade de 0,11, e como consequência podem ocorrer falsos positivos. Por este motivo, é importante entender suas limitações e considerar seu papel em conjunto com outros testes e ferramentas de diagnóstico ao avaliar a patologia do quadril (Caliesch et al., 2020).
Um conjunto de testes pode ser estudado para desenvolver uma regra de predição clínica para alcançar uma melhor especificidade e sensibilidade e, assim, um diagnóstico mais preciso em um ambiente clínico.
O Consenso de Warwick concluiu que o IFA tem uma apresentação complexa e só pode ser diagnosticada com a presença de achados de sinais clínicos, sintomas em posições de impacto (flexão e rotação interna do quadril), assim como, variações na morfologia óssea do quadril (Griffin et al., 2016).
O exame físico deve ser minucioso e sistemático, incluindo amplitude de movimento e testes específicos para o diagnóstico da patologia do quadril. A goniômetria pode ser utilizada para avaliação da flexão, abdução e adução na posição supina, bem como rotação interna e externa na posição prona com o quadril em extensão neutra.
Para uma leitura aprofundada da avaliação desta patologia, recomendamos este [artigo]. Abaixo disponibilizamos uma tabela com alguns pontos relevantes da avaliação, que podem auxiliar os clínicos:
Teste de impacto anterior (FADIR)
Para realizar o teste de impacto anterior, o paciente é colocado em decúbito dorsal na maca de exame. O examinador flexiona passivamente o quadril a 90°, seguido de adução e rotação interna (Figura 4). Essa posição, na qual o colo femoral anterior se aproxima do acetábulo anterossuperior, simula o impacto que possivelmente leva aos sintomas do IFA. A presença de dor no quadril durante essa manipulação constitui um teste positivo. Apesar de ser tradicionalmente utilizado para provocar dor na articulação, este teste também pode indicar um quadril rígido, e uma medida quantitativa pode ser realizada, como demonstrada na figura 4.
FABER
Com o paciente deitado em decúbito dorsal, a extremidade afetada é colocada na posição do “quatro” em flexão, abdução e rotação externa. Uma força suave para baixo é então aplicada à perna afetada enquanto uma força estabilizadora é aplicada ao lado contralateral da pelve (Figura 5).
A distância vertical da face lateral do joelho até a mesa de exame é registrada. O teste é positivo quando o paciente refere dor, e quando há perda de distância entre a face lateral do joelho e a maca de exame, em comparação com o quadril não afetado.
Exames de imagem
Radiografias anteroposterior da pelve e radiografias laterais do colo do fêmur são recomendadas inicialmente para hipótese diagnóstica de síndrome do IFA. Essas visualizações podem fornecer informações gerais relacionadas aos quadris, bem como informações específicas relacionadas às morfologias de cam ou pincer ou outras fontes potenciais de dor do paciente. Para detalhamentos, exames de ressonância magnética também podem ser solicitados (Figura 6).
• Western Ontario and McMaster Universities (WOMAC) (Fernandez, 2003):
• Hip Disability and Outcome Osteoarthritis Score (HOOS) (Machado et al., 2019):
• Hip Outcome Score (HOS) (Costa et al., 2018):
• International Hip OutcomeTool (iHOT) (Polesello et al., 2012):
Atualmente, não há evidências de alto nível para apoiar a escolha de um tratamento definitivo e específico para a síndrome do IFA (Wall et al., 2013; Wall et al., 2014). É apropriado considerar as diferentes opções de tratamento para cada indivíduo de forma individualizada e contextualizada, a tomada de decisão compartilhada é importante para envolver o paciente e considerar as preferências pessoais de cada um, potencializando adesão ao tratamento e utilizando como opções as melhores evidências científicas. Uma equipe multidisciplinar é imprescindível para escolhas terapêuticas assertivas.
O tratamento conservador de pacientes com síndrome do IFA pode incluir educação do paciente, modificação de estilo de vida, e medicamentos (incluindo analgésicos, anti-inflamatórios não esteroidais ou injeção intra-articular de esteroides). A reabilitação visa reduzir os sintomas dos pacientes, melhorando a estabilidade do quadril, o controle neuromuscular e os padrões de movimento. Os alvos do tratamento para reabilitação são amplos e incluem melhorar a amplitude de movimento no plano sagital, frontal e transversal do quadril, fortalecimento muscular do quadril e dissociação lombopélvica (Botha et al., 2014; Diamond et al., 2015; Griffin et al., 2016).
O protocolo de fisioterapia deve ser adaptado para cada indivíduo com base em uma avaliação padronizada e realizada por um fisioterapeuta.
A cirurgia visa corrigir a morfologia do quadril para alcançar movimento livre de impacto, protocolos de fisioterapia pós-operatória são recomendados. A artroscopia é o procedimento cirúrgico mais comum para o tratamento do IFA discutido na literatura e normalmente envolve (Ganz et al., 2001; Ganz et al., 2003):
O processo de reabilitação deve envolver metas de tratamento compartilhadas com o paciente. A avaliação multidimensional da dor e funcionalidades avaliadas pelos instrumentos de medidas de desfecho relatadas pelo paciente fornecem um importante aspecto de consideração para alta, visto que os mesmos avaliam o paciente pela sua própria perspectiva e percepção de melhora.
Outros tópicos identificados na avaliação, como redução de amplitude de movimento ou de força, podem ser utilizados como critérios clínicos para alta, desde que utilizados de forma criteriosa, pois nem sempre a melhora destes desfechos estará relacionada com a percepção de melhora clínica do paciente.
A educação sobre os conceitos de dor também é um aspecto importante tanto para o tratamento, quanto para os critérios de alta, assegurando-se que o paciente compreende a sua patologia, tenha estratégias de auto manejo, e esteja envolvido com alguma prática regular de exercício físico para modulação descendente da dor, atuando na sua inibição e, manutenção da qualidade biomecânica da articulação envolvida.
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