Tendinopatias do Tendão Tibial Posterior A disfunção do tendão tibial posterior (DTTP) é uma condição comum entre as patologias do pé e tornozelo. …
Síndrome da Dor Femoropatelar (SDFP), Dor Patelofemoral (DPF), a dor Femoropatelar (DFP) ou ainda o termo em inglês Patellofemoral Pain Syndrome (PFPS) é um termo geral usado para descrever a dor originada na articulação patelofemoral ou em tecidos moles adjacentes.
Historicamente, tem sido referida como dor anterior no joelho, que pode ser caracterizada também por dor retropatelar (atrás da patela) ou peri-patelar (ao redor da patela) e seus sintomas podem se desenvolver lentamente ao longo do tempo ou surgir agudamente, de maneira abrupta.
A SDFP tem uma tendência a recorrer após 2 anos em 40% dos casos e é uma condição comum no joelho, que afeta principalmente adolescentes e adultos jovens, onde as mulheres têm uma incidência 2.2 vezes maior que homens (BOLING et al., 2010).
A dor ocorre principalmente quando a carga é exercida sobre os músculos que realizam extensão dos joelhos ao subir escadas, agachar-se, correr, andar de bicicleta ou ficar sentado com os joelhos flexionados, muitas vezes dificultando ou impedindo a realização dessas atividades (Ahmed Hamada, 2017).
Embora a SDFP tenha sido considerada uma condição clínica autolimitante, estudos como o de Crossley et al. (2019) desafiam essa ideia, indicando que a SDFP pode persistir por muitos anos, impactando a participação nas atividades cotidianas e esportivas.
Além disso, resultados insatisfatórios no alívio da dor e funcionalidade foram observados em mais de 50% dos pacientes com SDFP por um período de até 5 anos após o tratamento (Lankhorst et al., 2016).
Recentemente, uma revisão sistemática (Smith Be et al, 2018) trouxe à tona dados sobre a presença da dor femoropatelar em diferentes grupos populacionais. Entre militares de ambos os sexos, por exemplo, a prevalência dessa dor é de 13,5%, com uma variação de 15,3% para mulheres militares e 12,3% para homens.
Quando se trata de mulheres envolvidas em esportes de elite, como futebol, vôlei e balé, essa prevalência varia consideravelmente, situando-se entre 16,7% e 29,3%. Em relação a ciclistas amadores, foi observada uma prevalência de 35%, enquanto em ciclistas de elite, a taxa anual sobe ligeiramente para 35,7% (Barton et al, 2014).
Essa condição não se limita a grupos específicos, afetando também a população em geral. A prevalência anual da dor femoropatelar para ambos os sexos na população geral é de 22,7%. No entanto, quando olhamos apenas para as mulheres, esse número avança vertiginosamente para 29,2%, enquanto nos homens é de 15,5%. É interessante notar que a dor femoropatelar impacta também adolescentes. Em atletas adolescentes, a incidência de dor femoropatelar varia entre 5,1% e 14,9%, com uma prevalência pontual de 22,7% entre as atletas do sexo feminino. Na população em geral, a prevalência pontual para adolescentes de ambos os sexos é de 7,2%, enquanto a taxa anual chega a 28,9% (Crossley et al, 2019).
A anatomia clinicamente relevante inclui a articulação patelofemoral, onde a patela desliza pelo sulco femoral, com o líquido sinovial proporcionando pouca resistência durante o movimento. A articulação femoropatelar se estabelece entre a superfície articular da patela e o côndilo patelar do fêmur, sendo sustentada por um complexo de estruturas que podem ser classificadas em estabilizadores dinâmicos e estáticos. Esses componentes desempenham um papel crucial na manutenção da estabilidade e funcionamento harmonioso dessa articulação (Loudon JK, 2016).
Os retináculos medial e lateral, bem como a configuração espacial da patela e a geometria da tróclea femoral, formam os estabilizadores passivos da patela, contribuindo para a sua posição adequada e movimentação suave. Já os estabilizadores dinâmicos consistem nos músculos da pata de ganso e do semimembranoso (que contribuem para a rotação interna da tíbia), no bíceps femoral (que contribui para a rotação externa da tíbia) e no quadríceps femoral, composto pelas quatro cabeças – vasto medial (VM), vasto lateral (VL), vasto intermédio e reto femoral – que atuam de maneira coordenada para exercer trações diversas na patela (Figura 1) (Loudon JK, 2016).
A articulação patelofemoral é submetida a forças compressivas elevadas durante atividades como subir escadas e agachar. Essas forças podem causar sobrecarga às estruturas da articulação, como o osso subcondral, a gordura infrapatelar, o retináculo e os ligamentos.
A dor nociceptiva, que é a dor causada por lesão real ou potencial dos tecidos, é um dos componentes da dor patelofemoral. Além da dor nociceptiva, pessoas com DFP persistente exibem um processamento nociceptivo anormal (isto é, hiperalgesia mecânica difusa, modulação da dor prejudicada), processamento somatossensorial alterado (implicando dor neuropática), função sensório-motora prejudicada (isto é, propriocepção e equilíbrio) e certos fatores psicológicos, como a catastrofização, que é a tendência de interpretar a dor como algo mais sério do que realmente é; e a cinesiofobia, que é o medo relacionado ao movimento, que costuma levar à restrição da atividade física.
A origem da Síndrome da dor femoropatelar (SDFP) é multifatorial, envolvendo uma complexa interação de fatores. Acredita-se que um estresse elevado sobre a articulação femoropatelar esteja relacionado a essa condição. Diversos modelos foram propostos para compreender a causa desse estresse anormal. A relação entre a força de reação da patela e o surgimento da dor femoropatelar é um tópico de interesse crescente na literatura científica, que sugere que a força de reação da patela, que é a força transmitida entre a patela e o sulco troclear do fêmur durante o movimento do joelho, desempenha um papel significativo no desenvolvimento e agravamento da dor femoropatelar. A relação entre a força de reação da patela e a dor femoropatelar é complexa e multifatorial.
Além da fraqueza muscular e da instabilidade patelar, fatores como a biomecânica do pé, o alinhamento do quadril e a cinemática do joelho também podem influenciar na distribuição da força e na consequente dor.
No âmbito local, fatores como a alteração no trajeto da patela na tróclea e a fraqueza do músculo quadríceps femoral, juntamente com um menor volume de massa muscular e pico de torque extensor, podem reduzir a área de contato entre as superfícies articulares. O desequilíbrio na ativação dos músculos vastos do quadríceps, com atraso na ativação do vasto medial, também contribui para o desalinhamento da patela e diminuição da área de contato. Além desses fatores, questões mais abrangentes, como a biomecânica alterada da pelve com adução excessiva do quadril e rotação interna do fêmur, especialmente em mulheres, aumentam a probabilidade de ocorrência do valgo dinâmico. Isso, por sua vez, pode levar ao desvio da patela durante os movimentos.
Em uma diretriz de tratamento publicada em 2019 na JOSPT, sugeriu-se a utilização de uma categorização, alinhada com a Classificação Internacional de Funcionalidade, que indica diferentes condições que podemos enquadrar a SDFP. Logicamente não é um estadiamento perfeito e nos serve apenas como guia para entender as características da disfunção. A ideia não é se limitar a cada grupo, mas entender as principais condições de cada um deles para facilitar o nosso raciocínio. As subcategorias são nomeadas de acordo com as deficiências predominantes documentadas anteriormente em pessoas com SDFP.
Subcategorias de classificação da Síndrome da Dor Femoropatelar com base em deficiências/funções
1. Sobrecarga/excesso de uso sem outras alterações: uma subcategoria de indivíduos com SDFP pode ter dor principalmente devido ao excesso de uso ou sobrecarga. A classificação nessa subcategoria é feita com um nível razoável de certeza quando o paciente apresenta histórico que sugere um aumento na intensidade e/ou frequência de carga na articulação femoropatelar, em uma taxa que pode exceder a capacidade dos tecidos da articulação femoropatelar de se recuperarem;
2. Déficits de desempenho muscular: uma subcategoria de indivíduos com SDFP pode responder positivamente a exercícios de resistência para o quadril e joelho. A classificação nesta subcategoria de déficits de desempenho muscular é feita com um nível razoável de certeza quando o paciente apresenta déficits de desempenho muscular dos membros inferiores no quadril e quadríceps;
3. Déficits de coordenação do movimento: uma subcategoria de indivíduos com SDFP pode responder positivamente a intervenções de reeducação da marcha e do movimento, resultando em melhorias na cinemática e na dor dos membros inferiores, sugerindo a importância da avaliação do valgo dinâmico do joelho durante o movimento. O diagnóstico através dos déficits de coordenação do movimento é feito com um nível razoável de certeza quando o paciente apresenta valgo excessivo ou mal controlado do joelho durante uma tarefa dinâmica, mas não necessariamente devido à fraqueza da musculatura dos membros inferiores.
4. Deficiências de mobilidade: uma subcategoria de indivíduos pode apresentar deficiências relacionadas a estruturas hiper ou hipomóveis. O diagnóstico nesse caso é feito com um nível razoável de certeza quando o paciente apresenta mobilidade maior que o normal do pé e/ou deficiências de flexibilidade em uma ou mais das seguintes estruturas: isquiotibiais, quadríceps, gastrocnêmios, sóleo, retináculo lateral ou banda iliotibial.
Historicamente, inúmeros fatores foram apontados como contribuidores para o surgimento ou a perpetuação da SDFP:
Características/Apresentação Clínica:
Dor femoropatelar e condromalácia são as mesmas coisas?
É comum chegar nos nossos consultórios pacientes que apresentem aquele diagnóstico de condromalácia. Mas será que esses diagnósticos são sinônimos? De maneira objetiva: NÃO! Embora as duas condições sejam distintas, elas podem coexistir.
É importante diferenciar entre as duas condições para que o tratamento adequado seja prescrito. Na condromalácia, sugere-se que uma das fontes de dor seja especificamente o desgaste da cartilagem articular, normalmente na região da superfície posterior da patela e costuma ser caracterizada por um amolecimento e desgaste da cartilagem (MacMull et al, 2012).
PROMs
Uma vasta quantidade de medidas de resultados relatados pelo paciente (PROMs) foi desenvolvida e utilizada para avaliar a função percebida pelo paciente e mudanças no status ao longo do tempo em pessoas com SDFP. PROMs significa “Patient-Reported Outcome Measures”, que em português pode ser traduzido como “Medidas de Resultados Reportados pelo Paciente”.
São questionários ou escalas padronizadas utilizadas na área da saúde para avaliar a perspectiva do paciente sobre seu próprio estado de saúde, seus sintomas, funcionalidade e qualidade de vida. Essas medidas são preenchidas pelo próprio paciente e fornecem informações valiosas sobre como a doença ou tratamento está afetando sua vida, permitindo que fisioterapeutas e pesquisadores obtenham uma compreensão mais completa e precisa do impacto de condições médicas ou intervenções terapêuticas na vida dos pacientes.
Existem diferentes níveis de evidência para apoiar ouso das PROMs em indivíduos com alterações na função e estrutura corporal, limitações de atividades e restrições de participação associadas à SDFP. Elas costumam refletir como as pessoas percebem suas limitações funcionais, mas podem não refletir o desempenho funcional objetivo medido de fato (Hamilton, Giesinger e Giesinger, 2018). Considerando que as medidas subjetivas e objetivas de função podem ter construtos diferentes (percepção e desempenho, respectivamente), a medição de ambas pode ser importante (Hamilton et al., 2018).
Exames de imagem
Existe uma busca pela causa da dor que nos atrapalha no momento de olhar para todo o contexto de um exame de imagem. Sempre que buscamos por uma solução simples para problemas complexos, acabamos caindo na falácia de olhar “causa e efeito”, ou seja, com qualquer sinal de alteração do exame de imagem, já consideramos aquele aspecto como o “causador” da dor femoropatelar.
No entanto, pesquisas sugerem que não há diferença entre exames de imagem de joelhos de pessoas saudáveis ou de pessoas com a SDFP (Oliveira Silva et al, 2019). Diferenciando da condromalácea patelar, por exemplo, estudos de RNM mostram que pacientes com a presença dessa patologia apresentam alterações anatômicas, incluindo inclinação patelar lateral, profundidade troclear, ângulo do sulco, inclinação tibial e altura patelar, diferente da SDFP (Habusta et al, 2023).
Tratamentos para dor femoropatelar – Um Panorama Geral
A ideia aqui é oferecer uma visão abrangente sobre os tratamentos para a dor femoropatelar. A terapia por exercícios, enfatizando a combinação de abordagens direcionadas ao quadril e joelho, destaca-se como eficaz em aliviar a dor e melhorar a função a curto, médio e longo prazo.
A educação em dor emerge como um componente fundamental, capacitando os pacientes a gerenciar suas expectativas. A terapia manual, embora complementar, não se mostrou eficaz quando usada isoladamente. Além disso, exploramos tratamentos adjuntos, como bandagens, joelheiras, palmilhas e re-treino de marcha, que acrescentam perspectivas valiosas ao tratamento da dor femoropatelar.
Educação em dor (de Oliveira Silva D, 2020)
Oferecer informações de alta qualidade aos pacientes (como aconselhamento personalizado e detalhes sobre sua condição, capacitando-os a gerenciar suas próprias expectativas) é fundamental, podendo representar uma abordagem para aprimorar os resultados a longo prazo na dor femoropatelar.
A educação é considerada um elemento crucial no tratamento da dor femoropatelar, mesmo que haja carência de estudos que avaliem diretamente sua eficácia. Recentemente, uma análise sistemática investigou o impacto de intervenções educacionais (utilizadas sozinhas ou combinadas a outros tratamentos) em indivíduos com dor femoropatelar.
Os pesquisadores concluíram que a educação proporcionada por profissionais de saúde, por si só, gerou resultados comparáveis em termos de alívio da dor e melhoria da função, se comparada à abordagem que inclui exercícios e educação oferecida pelos profissionais de saúde, nos períodos de 3 e 6 meses após a intervenção. Essas descobertas ressaltam a importância fundamental da educação no tratamento da dor femoropatelar.
Confira os materiais compartilhados pelo professor:
Sugestão de leitura – Arquivo em PDF para PROMs:
Ahmed Hamada H, Hussein Draz A, Koura GM, Saab IM. Carryover effect of hip and knee exercises program on functional performance in individuals with patellofemoral pain syndrome. J Phys Ther Sci. 2017 Aug;29(8):1341-1347. doi: 10.1589/jpts.29.1341. Epub 2017 Aug 10. PMID: 28878459; PMCID: PMC5574328.
Barton C, Balachandar V, Lack S, Morrissey D. Patellar taping for patellofemoral pain: a systematic review and meta-analysis to evaluate clinical outcomes and biomechanical mechanisms. Br J Sports Med. 2014 Mar;48(6):417-24. doi: 10.1136/bjsports-2013-092437. Epub 2013 Dec 5. PMID: 24311602.
BartonCJ, LackS, MalliarasP, MorrisseyD. Gluteal muscle activity and patellofemoral pain syndrome: a systematic review. Br J Sports Med. 2013;47(4):207-14. http://dx.doi.org/10.1136/bjsports-2012-090953. PMid:22945929
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Habusta SF, Coffey R, Ponnarasu S, et al. Chondromalacia Patella. [Updated 2023 Apr 22]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459195/
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